Atilio A. Boron*

 

Aproveitei minha viagem de volta a Buenos Aires para conversar com vários funcionários no aeroporto do Rio de Janeiro. As conversas me deixaram desolado, aprofundando a sensação colhida nas ruas do Rio durante toda a semana. Falei com vários funcionários de limpeza, ajudantes de companhias aéreas, empregados e vendedores em lojas e bares. Todos, sem exceção, pessoas de origem social muito humilde e perguntando por que eu estava partindo na véspera do “Grande Dia”. Fingindo ser um turista distraído que ignora os assuntos políticos do país, perguntei o que havia de especial no próximo domingo. Resposta: “amanhã o Brasil escolhe se será governado por um gigante ou por um ladrão”. Vários me esclareceram: o gigante é Bolsonaro e Haddad é o ladrão. E o gigante vai ganhar, todos asseguraram. “E o que o gigante vai fazer?”, perguntei a outra. “Ele vai fazer a revolução que o Brasil precisa”, me respondeu sem hesitar. “A revolução?”, perguntei,me fazendo de surpreso e incrédulo. “Sim”, ela me disse. “Uma revolução para acabar com bandidos e ladrões. O gigante vai limpar este país”. Em um discurso idêntico ao que se ouve diariamente na Argentina, meus interlocutores disseram que os petistas “roubaram tudo”, que Lula merecia estar na cadeia, que seus filhos se tornaram multimilionários. “Bolsonaro”, disse um dos mais enfurecidos, “é um patriota que ama o Brasil e com a limpeza dos bandidos que ele vai fazer, este país voltará a ser grande e respeitado”. A mão sinistra de Steve Bannon – o assessor de campanha ultrarreacionário de Donald Trump e cuja equipe está há meses instalada no Brasil – apareceu de maneira inconfundível. Afinal, o slogan do “gigante” é uma cópia em português do que foi empregado na campanha Trump: “façamos a América grande novamente”, disse o americano. Agora é o Brasil que, das mãos de Bolsonaro, deve ressurgir das cinzas a que o PT o reduziu.

     Havia um elemento adicional nessas respostas. Além das crenças, havia um forte sentimento de camaradagem entre esses funcionários precários e explorados, que diziam uns aos outros nos corredores do aeroporto: “amanhã, amanhã será o Grande Dia!”. Um fervor religioso os “religava” (daí a origem da palavra “religião”). O Messias – Jair Messias Bolsonaro, que adotou seu segundo nome após um fantástico batismo nas águas do Jordão em meio à extensa cobertura da mídia – estava prestes a chegar e neste sábado estaríamos às vésperas da epifania que projetaria o Brasil ao lugar que lhe é correspondente no mundo. “Dezesseis anos (sic!) de governo de bandidos” transformaram esta grande nação em uma espécie de mendigo internacional por causa da corrupção oficial, manchando a honra de uma nação inteira e mergulhando-a em violência e desesperança.

     As ladainhas se repetiam com similitudes milimétricas. A certa altura, perguntei a um deles se o programa Bolsa Família, que tirou da pobreza extrema mais de 40 milhões de brasileiros, por acaso não tinha servido para melhorar a situação dos mais pobres. A resposta: “Não. Foi uma esmola. Eles querem que as pessoas continuem como estão, para que possam roubar à vontade”. Diante da minha surpresa, outro acrescentou: “Arroz e feijão para o povão, grandes propinas para os governantes”. Um deles, com uma cruz tatuada no pescoço, foi além e afirmou que “Haddad é ainda mais corrupto que Lula, tanto que com seus crimes quase levou a prefeitura de São Paulo à falência”. Não tinha uma opinião melhor sobre sua companheira de chapa, Manuela D’Avila, do PCdB, porque lhe disseram que, como ateia, ela proibiria todas as religiões. Um terceiro acrescentou que caso o PT triunfasse, Lula é quem governaria da prisão, onde permaneceria por pouco tempo. Então, perdoado por Haddad, iria para o exterior e, de um refúgio seguro para a sua fortuna ilícita, dirigia Haddad à vontade. Os ladrões permaneceriam no poder. Mas “felizmente o gigante se ergueu”, disse ele com um suspiro.

     Foi um enorme esforço para ouvir tantas mentiras e infâmias. E fiquei espantado com a eficácia sem precedentes das novas técnicas da propaganda política. Campanhas de terrorismo midiático não são novas na América Latina. Em 1970, a candidatura de Salvador Allende no Chile foi combatida com uma torrente diária de difamação por meio do El Mercurio e do Canal 13 da Universidade Católica. Mas a eficácia dessas manobras não era muito grande. Agora, no entanto, houve um salto qualitativo e o impacto dessas lavagens cerebrais em massa – por meio de neuromarketing político e big data – cresceu exponencialmente. Para os movimentos populares, é imperativo compreender os processos de formação da consciência política na era digital, se se pretende neutralizar esse tipo de campanha. No Brasil, o WhatsApp se tornou o veículo preferencial, se não exclusivo, por meio do qual a maioria das classes populares se informava sobre assuntos públicos e, com a ajuda dos evangélicos, decidiu votar em candidatos hiperconservadores. O acesso ao big data permitiu a intrusão da propaganda de Bolsonaro em milhões de grupos do WhatsApp, não sujeitos ao mesmo controle que existe no Facebook, e a partir daí foi possível lançar uma avassaladora artilharia diária de mentiras e difamações contra os petistas e disseminar centenas de notícias falsas todos os dias. O objetivo deles é incentivar a dissonância cognitiva entre os receptores e criar um sentimento de incerteza e caos – convenientemente ampliado pela mídia – o que exige a messiânica aparição de um líder forte para colocar ordem em meio à confusão. Tenha-se em mente que os com menos de 30 anos só ligam a TV para assistir futebol, não leem jornais e só ouvem música no rádio ou nos seus smartphones. Seu nível de informação é baixíssimo, e suas crenças e percepções foram magistralmente manipuladas por Bannon e seus associados locais, operando nesse setor social desde março deste ano. No entanto, quando as pesquisas perguntam nas favelas e bairros periféricos quais são os principais problemas da comunidade, a corrupção (“os ladrões”) aparece em terceiro lugar, depois da insegurança e dos problemas econômicos (alto custo, desemprego, baixos salários, etc). Mas a pérfida e muito eficaz propaganda da direita conseguiu fazer da corrupção – a luta contra os supostos ladrões e a regeneração moral do Brasil – o eixo exclusivo dessa campanha, na qual não se fala de outra coisa. E até agora seus resultados foram notáveis. Neste domingo, saberemos quão bem sucedidos foram seus planos malignos e que lições devem ser aprendidas de outros países da região que estão passando por uma situação semelhante à do Brasil, especialmente a Argentina.

*Atilio A. Boron é sociólogo, professor da Universidade de Buenos Aires.

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